Tragédias, mais uma vez: Deus e Sandy
Por Augustus Nicodemus Lopes
Toda vez que uma catástrofe ou tragédia
de grande proporção atinge o mundo retorna à blogosfera a questão do mal
e do sofrimento dos inocentes em um mundo governado por um Deus bom e
Todo-Poderoso. É o caso do furacão Sandy, que nestes dias tem causado
uma enorme destruição e a morte de dezenas de pessoas nos Estados Unidos
e outros países.
De longa data o mal que existe no mundo
vem sendo usado como uma tentativa de se provar de que Deus não existe,
ou se existe, não é bom. E se for bom, não é todo-poderoso – esta última
hipótese defendida pelo teísmo aberto.
“Onde estava Deus quando estas tragédias
aconteceram?” é a pergunta de pessoas revoltadas com o fato de que
centenas de pessoas boas, desprevenidas, cidadãos de bem, foram
apanhados numa tragédia e morreram de forma terrível, deixando para trás
famílias, filhos, entes queridos.
Eu entendo a preocupação com o dilema
moral que tragédias representam quando vistas a partir do conceito
cristão histórico e tradicional de Deus. Se Deus é pessoal, soberano,
todo-poderoso, onisciente, amoroso e bom, como então podemos explicar a
ocorrência das tragédias, calamidades, doenças, sofrimentos, que atingem
bons e maus ao mesmo tempo?
Creio que qualquer tentativa que um
cristão que crê que a Bíblia é a Palavra de Deus faça para entender as
tragédias, desastres, catástrofes e outros males que sobrevêm à
humanidade, não pode deixar de levar em consideração dois componentes da
revelação bíblica, que são:
- A realidade da queda moral e espiritual do homem.- O caráter santo e justo de Deus.
Lemos em Gênesis 1—3 que Deus criou o
homem, macho e fêmea, à sua imagem e semelhança, e que os colocou no
jardim do Éden, com o mandamento para que não comessem do fruto
proibido. O texto relata como eles desobedeceram a Deus, seduzidos pela
astúcia e tentação de Satanás, e decaíram assim do estado de inocência,
retidão e pureza em que haviam sido criados. As conseqüências, além da
queda daquela retidão com que haviam sido criados, foram a separação de
Deus, a perda da comunhão com ele, e a corrupção por inteiro de suas
faculdades, como vontade, entendimento, emoções, consciência, arbítrio.
Pior de tudo, ficaram sujeitos à morte, tanto espiritual, que consiste
na separação de Deus, como a física e a eterna, esta última sendo a
separação de Deus por toda a eternidade.
Este fato, que chamamos de “queda,”
afetou não somente a Adão e Eva, mas trouxe estas conseqüências
terríveis a toda a sua descendência, isto é, à humanidade que deles
procede, pois eles eram o tronco e a cabeça da raça humana. Em outras
palavras, a culpa deles foi imputada por Deus aos seus filhos, e a
corrupção de sua natureza foi transmitida por geração ordinária a todos
os seus descendentes.
Desde cedo na história da Igreja cristã
esta doutrina, que tem sido chamada de “pecado original”, foi
questionada por gente como Pelágio, que afirmava que o pecado de Adão e
Eva afetou somente a eles mesmos, e que seus filhos nasciam isentos,
neutros, sem pecado, e sem culpa e sem corrupção inata. Tal ideia foi
habilmente rechaçada por homens como Agostinho, Lutero, Calvino e muitos
outros, que demonstraram claramente que o ensino bíblico é o que
chamamos de depravação total e transmitida, culpa imputada e corrupção herdada.
As conseqüências práticas para nós hoje são terríveis. Por causa desta
corrupção inata, com a qual já nascemos, somos totalmente indispostos
para com as coisas de Deus; somos, por natureza, inimigos de Deus e,
portanto, filhos da ira. É desta natureza corrompida que procedem os
nossos pecados, as nossas transgressões, as desobediências, as revoltas
contra Deus e sua Palavra.
Agora chegamos no ponto crucial e mais
relevante para nosso assunto. Entendo que a Bíblia deixa claro que os
nossos pecados, tanto o original quanto os pecados atuais que cometemos,
por serem transgressões da lei de Deus, nos tornam culpados e portanto sujeitos à ira justa de Deus,
à sua justiça retributiva, pela qual ele trata o pecador de acordo com o
que ele merece. Ou seja, a humanidade inteira, sem exceção – visto que
não há um único justo, um único que seja inocente e sem pecado – está
sujeita ao justo castigo de Deus, o que inclui – atenção! – a morte, as
misérias espirituais, temporais (onde se enquadram as tragédias, as
calamidades, os desastres, as doenças, o sofrimento) e as misérias
espirituais (que a Bíblia chama de morte eterna, inferno, lago de fogo,
etc.).
A Bíblia revela com muita clareza, e sem a
menor preocupação de deixar Deus sujeito à crítica de ser cruel,
déspota e injusto, que ele mesmo é quem determinou tragédias e
calamidades sobre a raça humana, como parte das misérias temporais
causadas pelo pecado original e as transgressões atuais. Isto, é claro,
se você acredita realmente que a Bíblia é a Palavra de Deus, e não uma
coleção de idéias, lendas, sagas, mitos e estórias politicamente
motivadas e destinadas a justificar seus autores.
De acordo com a Bíblia:
- Foi Deus quem condenou a raça humana à morte no jardim (Gn 2.17; 3.19; Hb 9.27).
- Foi ele quem determinou a catástrofe do dilúvio, que aniquilou a
raça humana com exceção da família de Noé (Gn 6.17; Mt 24.39; 2Pe 2.5).- Foi ele quem destruiu Sodoma, Gomorra e mais várias cidades da região, com fogo caído do céu (Gn 19.24-25).
- Foi ele quem levantou e enviou os caldeus contra a nação de Israel e demais nações ao redor do Mediterrâneo, os quais mataram mulheres, velhos, crianças e fizeram prisioneiros de guerra (Dt 28.49-52; Hab 1.6-11).
- Foi ele quem levantou e enviou contra Israel povos vizinhos para saquear, matar e fazer prisioneiros (2Re 24.2; 2Cr 36.17; Jr 1.15-16).
- Foi ele quem ameaçou Israel com doenças, pestes, fomes, carestia, seca, pragas caso se desviassem dos seus caminhos (Dt 28).
- Foi ele quem enviou as dez pragas contra o Egito, ferindo, matando e trazendo sofrimento a milhares de egípcios, inclusive matando os seus primogênitos (Ex 9.13-14).
- Foi o próprio Jesus quem revelou a João o envio de catástrofes futuras sobre a raça humana, como castigos de Deus, próximo da vinda do Senhor, conforme o livro de Apocalipse, tais como guerras, fomes, pestes, pragas, doenças (Apocalipse 6—9), entre outros.
- Foi o próprio Jesus quem profetizou a chegada de guerras, fomes, terremotos, epidemias (Lc 21.9-11) e a destruição de Jerusalém, que ele chamou de “dias de vingança” de Deus contra o povo que matou o seu Filho, nos quais até mesmo as grávidas haveriam de sofrer (Lc 21.20-26).
- E por fim, Deus já decretou a catástrofe final, a destruição do mundo presente por meio do fogo, no dia do juízo final (2Pe 3.7; 10-12).
Isto não significa, na Bíblia, que o
sofrimento das pessoas é sempre causado por uma culpa individual e
específica. Há casos, sim, em que as pessoas foram castigadas com
sofrimentos temporais em virtude de pecados específicos que cometeram,
como por exemplo o rei Uzias que foi ferido de lepra por causa de seu
pecado (2Cr 26.19; cf. também o caso de Miriã, Nm 12.10). O rei Davi
perdeu um filho por causa de seu adultério (2Sm 12.14). Mas, em muitos
outros casos, as tragédias, catástrofes, doenças e sofrimentos não se
devem a um pecado específico, mas fazem parte das misérias temporais que
sobrevêm à toda a raça humana por conta do estado de pecado e culpa em
geral em que todos nós nos encontramos. Deus traz estas misérias e
castigos para despertar a raça humana, para provocar o arrependimento,
para refrear o pecado do homem, para incutir-lhe temor de Deus, para
desapegar o homem das coisas desta vida e levá-lo a refletir sobre as
coisas vindouras. Veja, por exemplo, a reflexão atribuída a Moisés no
Salmo 90, provavelmente escrito durante os 40 anos de peregrinação no
deserto. Veja frases como estas:
“Tu reduzes o homem ao pó e dizes:
Tornai, filhos dos homens… Tu os arrastas na torrente, são como um sono,
como a relva que floresce de madrugada; de madrugada, viceja e
floresce; à tarde, murcha e seca. Pois somos consumidos pela tua ira e
pelo teu furor, conturbados. Diante de ti puseste as nossas iniquidades
e, sob a luz do teu rosto, os nossos pecados ocultos. Pois todos os
nossos dias se passam na tua ira; acabam-se os nossos anos como um breve
pensamento…”
Não devemos pensar que aquelas pessoas
que ficam doentes, passam por tragédias, morrem em catástrofes eram mais
pecadoras do que as demais ou que cometeram determinados pecados que
lhes acarretou tal castigo. Foi o próprio Jesus quem ensinou isto quando
lhe falaram do massacre dos galileus cometido por Pilatos e a tragédia
da queda da torre de Siloé que matou dezoito (Lc 13.1-5). Ele ensinou a
mesma coisa no caso do cego relatado em João 9.3-4. Os seus discípulos
levantaram o problema do sofrimento do cego a partir de um conceito
individualista de culpa, ponto que foi rejeitado por Jesus. A cegueira
dele não se deveu a um pecado específico, quer dele, quer de seus pais.
As pessoas nascem cegas, deformadas, morrem em tragédias e acidentes,
perdem tudo que têm em catástrofes, não necessariamente porque são mais
pecadoras do que as demais, mas porque somos todos pecadores, culpados, e
sujeitos às misérias, castigos e males aqui neste mundo.
No caso do cego, Jesus disse que ele
nascera assim “para que se manifestem nele as obras de Deus” (Jo 9.3).
Sofrimento, calamidades, etc., não são somente um prelúdio do julgamento
eterno de Deus; há também um tipo de sofrimento no qual Deus é
glorificado por meio de Cristo em sua graça, e assim se torna, portanto,
um exemplo e um prelúdio da salvação eterna. As tragédias servem para
levar as pessoas a refletir sobre a temporalidade e fragilidade da vida,
e para levá-las a refletir nas coisas espirituais e eternas. Muitos têm
encontrado a Deus no caminho do sofrimento.
O que eu quero dizer é que, diante das
tragédias e acidentes devemos nos lembrar que eles ocorrem como parte
das misérias e castigos temporais resultantes das nossas culpas, de
nossos pecados, como raça pecadora que somos. Poderia ser eu que estava
entre as vítimas do furacão Sandy. Ou, alguém muito melhor e mais reto
diante de Deus. Ainda assim, Deus não teria cometido qualquer injustiça,
ainda que todas as vítimas fossem os melhores homens e mulheres que já
pisaram a face da terra. Pois mesmo estes são pecadores. Não existem
inocentes diante de Deus. Pensemos nisto, antes de ficarmos indignados
contra Deus diante do sofrimento humano.
Por último, preciso deixar claro duas coisas.
Primeira, que nada do que eu disse acima
me impede de chorar com os que choram, e sofrer com os que sofrem. Somos
membros da mesma raça, e quando um sofre, sofremos com ele.
Segunda, é preciso reconhecer que a
revelação bíblica é suficiente, mas não exaustiva. Não temos todas as
respostas para todas as perguntas que se levantam quando uma tragédia
acontece. Não conhecemos a vida das vítimas e nem os propósitos maiores e
finais de Deus com aquela tragédia. Só a eternidade o revelará. Temos
que conviver com a falta destas respostas neste lado da eternidade.
Mas, é preferível isto a aceitar
respostas que venham a negar o ensino claro da Bíblia sobre Deus, como
por exemplo, especular que ele não é soberano e nem onisciente e
onipotente. Posso não saber os motivos específicos, mas consola-me saber
que Deus é justo, bom e verdadeiro, e que todas as suas obras são
perfeitas e retas, e que nele não há engano. fonte;http://www.pulpitocristao.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário